O post que não é post, as palavras que saem livres e se formatam no ecrã... O dia quente mas que na alma está cinzento, entre o que somos, queremos, temos e aquilo que temos de abdicar...
Não se explica por palavras o sentimento de perda, é inconfessável, intransmissível. O perder pelo amor que se sente, porque antes nós mal do que o que amamos.
Explicando.
Era uma vez uma mulher que amava animais, cães, particularmente. Atrevo-me a afirmar e a jurar a pés juntos de que fala com eles numa língua só entre eles inteligível. Esta mulher abdica de si para ajudar os cães, esquece que poderia ter melhor qualidade de vida se esse bocadinho que retirar de si, poder servir para dar felicidade a um cão. A isso só posso chamar de abnegação, carinho, amor. O que conduz a isso não é para aqui chamado, pois motivos existem sempre, mas quem somos nós para apontar aos outros motivos estranhos que todos nós temos, disfarçados de formas diferentes?
Esta mulher ama cães. Estava uma dia de Inverno, chuvoso, quando fomos a um canil municipal buscar uma cadelinha mini que estava a passar mal e precisava de um lar. Entrámos no carro com duas meninas: uma miniatura esquelética e apática, a outra simpática, magrela e sem pêlo. Eu discordando, racionalmente, da loucura, eram mais duas para juntar aos 300... A Preta (assim baptizada) conseguiu dar a volta ao problema de pele, com mil exames e tratamentos, foi engordando e virou uma menina giraça, simpática, dona do seu nariz e princesa, pois tinha uma pose....! Aos poucos conquistou toda a gente, a mim arrebatou-me, que nestas coisas sou teimosa, embora adore cães, mas seja extremamente racional.
A Preta era mesmo gira, dengosa, mandona, querida, meiguinha, enfim... um amor! Mas entrou em maus lençóis ao fim de largos meses quando resolveu desafiar uma das outras cadelas, residente mais antiga e de feitio ciumento... Virou filme de terror, com lutas impensáveis, sangue e feridas... Uma delas teria que ser adoptada por outra pessoa.
Ter que escolher entre as duas era uma tarefa dura. Ambas nossas, mas a Preta sentia-a mais nossa, não sei explicar, talvez porque me soube dar a volta, me soube namorar e acertou.
A J. está triste, a Preta foi para outra casa, torcendo para que seja tratada que nem uma princesa. Eu estou triste, num ano tive que abdicar de dois cães meus, dá-los e sentir uma saudade que todos os dias dói, porque por muito que amemos cães, não escolhemos afinidades, não escolhemos companheiros... eles escolhem-nos, moldam-se a nós, entendem o nosso feitio e fundem-se na nossa sombra. Acredito que com a Preta iria ser assim, com o Neptuno foi-o. Nenhum outro cão poderá chegar aos pés daquele gigante preto que tanta falta me faz.
Ambas estamos tristes, a J. porque perdeu a Preta, e eu sei que ela a ama, e porque neste mês tivemos que adormecer uma velhotinha que era a perdição dela, que teve um último ano de vida pleno de felicidade, mas marcado pela leucemia. Eu, porque remexo no passado recente, e porque as perdas me doem sempre de forma intensa e inexplicável... Fico com saudades de tudo e de todos, triste e sorumbática....
Há sempre uma lição: amar é aprender a perder, a deixar ir. O problema é que o amor não se apaga por artes de mágica e as nódoas negras desaparecem da superfície mas deixam rasgões na alma... Porque é que temos que optar no amor? Não era suposto ser tudo conto-de-fadas, cor-de-rosa e luminoso? O amor deixa-nos crateras incomensuráveis, tão grandes que quando deparamos com elas até nos assustamos.