2007/04/11

DESABAFO

A minha mãe tem cancro. Não oficialmente diagnosticado, sempre em fase de "tratamento", mas a verdade é que o tem... e a agravar-se...

Dito assim, desta forma seca, quase parece um drama, uma tragédia sem retorno ou um exagero da minha parte. Espero que o seja, sinceramente. Mas dizê-lo é uma forma de libertação, de encarar a realidade que durante todos estes anos tenho andado a evitar, como se a palavra gerasse os contornos mais nítidos do pensamento... Nunca estamos preparados, digam o que disserem. Quando se oficializa uma situação assim, esta torna-se densa e pesada, difícil de olhar. Permanece o reagir, que foi o que sempre fiz: reagir. Era muito miúda quando a minha mãe teve o primeiro diagnóstico, eram só 15 anos e tive que aprender a gerir a vida, a casa, a minha responsabilidade ganhou foros enormes. Mas desde dessa altura a parte de mim que tem dificuldade em amadurecer, crescer, é mesmo esta: a de perder a minha mãe. Ninguém nos prepara para isso e esse, sem dúvida, é logo o primeiro cenário que nos vem à cabeça.

Crescer é isto: uma adultidade em que percebemos o que é duro, mau, cansativo e complicado. Há o lado bom, claro, mas existem sempre dois lados, muitas vezes três, dependendo da forma de olhar. Mas esta era a parte de ser adulta que não me apetecia nada... Ouvir as más notícias, ter que encará-las de frente, morder a língua e evitar as lágrimas. Crescer é perder a ingenuidade e a candura de sermos pessoas expontâneas e livres. Isso irrita-me, obriga-me a ser demasiado dura!

"É a vida, o que é que se há-de fazer", já cantava o Sérgio Godinho. A vida é isto: levá-la em frente da melhor maneira que nos for possível, acreditar sempre que há algo muito grandioso já no virar daquela esquina, a um passo de nós. A vida ensina-nos a andar em frente, em passo rápido, com as menores mazelas possíveis... é para isso que cá estamos.

A minha mãe é e será sempre uma questão mal resolvida na minha vida... uma dualidade de sentimentos muito grande e uma série de perguntas que não ouso fazer, nem mesmo palavras que tenho para falar e que silenci-o. A minha mãe não me conhece, mal me conhece, melhor dizendo, e assim vamos andando, afastadas ou próximas, num jogo de afectos sem afectos, numa cruzada de independência dependente...

Não perdoarei a minha mãe se alguma coisa lhe acontecer, sem que eu tenha a maturidade suficiente para lhe dizer, sem ter a voz embargada, tudo aquilo que entre nós há para resolver.

5 Comentários:

Blogger SalsolaKali disse...

Maturidade? De quem?
Perdoar minha querida?
Somos como somos, tu, a tua mãe, cada uma das pessoas que se cruza contigo, todos diferentes, cada um à sua maneira, cada um com os seus fantasmas, convicções, capacidade de compreensão e por aí fora… há coisas que se calhar é melhor não serem proferidas, mas se achares mesmo que sim… achas mesmo que sim?

Sabes que a consciência do “prazo”, do fim, tira-nos anos de vida… porque na verdade, à parte do sofrimento que pode vir da doença em si o do tratamento, nada muda assim tanto senão a consciência que se tem da finitude de todas as coisas…
Amanhã poderei ter de partir, sem que tenha alguma vez desconfiado, sem que tenha concretizado mais algum objectivo patético, sem que tenha saboreado e dado a saborear melhor a quem amo certas coisas…
Há quem diga, e eu acredito, que, em certas circunstâncias, valem mais meia dúzia de dias bem vividos, em pleno, que uma vida inteira a ver passar os dias ao lado… isto tudo para dizer que embora compreenda, e bem, esse estado, essa consciência poderá ser revertida em algo positivo, para que, mesmo na ausência, tenhamos vivenciado algo que nos faça viver no futuro com a vida preenchida.
Bjo grd.

13/4/07 01:12  
Blogger ...dina disse...

SK: Obrigada pelo que escreveste, acredita que sei tudo o que estás a dizer, porque racionalmente consigo entender o problema, mas as emoções atrapalham sempre, porque estas não são lineares, são sempre pontos de interrogação...

A maturidade... sim, a minha maturidade, a que me tenho(êm) exigido, aquela que devo ter para ser fria enquanto o processo se desenrola... a maturidade para ser adulta, não ficar triste, para não chorar... essa maturidade castradora que é (auto-)imposta.

Acredita que subscrevo cada uma das tuas palavras, mas confesso-me meia perdida e com grandes momentos solitários, uma espécie de purgação, que nem sequer consegue ser purificante, porque nem há tempo para chegar aí, como não há tempo para chegar junto da minha mãe e ter esses tais dias. A vida não corre: atropela-nos. Sucedem-se de uma forma abismalmente assustadora e o amanhã já é o ontem, consegues entender?

Bjs

13/4/07 22:43  
Anonymous Anónimo disse...

Consigo sim. Mas a maturidade não é não expor esses sentimentos. Ser matura não é vestir uma carapaça, mas estar. Ser matura é pensar nos caminhos e fazer escolhas. É estar num lado ou no outro, colocar um travão temporário ou não ao dia a dia das coisas materiais. Essa é a maturidade que nos é exigida. Escolher, e caminhar em frente, encarar a realidade por mais dura que seja, e suavizar os dias, faze-los mais especiais, mais duradouros.
Se há uma coisa que aprendi é que nós não somos de ferro, frios, nem conseguimos suportar toda a pressão deste mundo. Essa dor e essa impotência é comum, por exemplo, à tua família e deve ser vivida em família. Mas temos de ter escapes. É impossível não chorar, não cair… (se não chorares e caíres aos poucos vais chorar e cair tudo de uma vez, um destes dias).
E depois voltar lá e enfrentar de cara, mesmo que nos doa até à ponta dos dedos.
Agora… a maturidade que te é exigida (primeiro por ti, pelo que entendo) é escolher onde permanecer, porque há certas coisas que ganham uma importância extraordinária ao longo do caminho que percorremos… e tb no dia a dia somos levados a hierarquizar a importância das coisas…
...o resto deixo em aberto... :)
Um abraço grande. Força!

14/4/07 10:57  
Anonymous Anónimo disse...

e uma última coisa, que não é uma ideia ou frase feita: Não estás só. Podes até permanecer só, momentaneamente, mas porque é assim que queres ficar, mas se não quiseres, não estás... está bem?
Bjs

14/4/07 11:01  
Blogger ...dina disse...

SK: Estou bem, sim, apenas meia "abananada" com o estado de consciência... :)

15/4/07 00:14  

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