2006/03/13

QUOTIDIANO

Quotidiano, do Lat. Quotidianu. adj., que sucede, que se pratica todos os dias, habitualmente.

Invariavelmente, todos os dias, no café onde costumo beber a minha dose obrigatória de cafeína, está um homem, com cerca de 55, 56 anos, de aparência humilde mas cuidada, que bebe um copo de vinho tinto, logo pela manhã. Ao fim do dia, quando paro para mais um café, ele está lá novamente (talvez ainda não tenha saído de lá) com outro copo de vinho à sua frente. Tem um ar triste e só, mas emana uma certa tranquilidade e firmeza de gestos que me atraíram a atenção. Todos os dias vou acrescentando algumas divagações à estória que não sei se será a sua, mas que o seu olhar, perdido no horizonte, por vezes indicia.



Não sei o nome dele, mas tem cara de António, certamente vive sozinho, só deve ter um filho, no máximo dois, mas que já devem ter seguido a vida com as suas próprias pernas. Tem no olhar o vazio de quem não tem amor ao chegar a casa, possivelmente há muito tempo. Há algo nele que me diz que ele não procura mais o amor. Tem ar de quem deixou de acreditar nesse sentimento, melhor: tem ar de que já viveu o amor da vida dele e o perdeu.

Todos os dias bebe vinho, possivelmente tem no bolso alguma recordação material desse amor. Há nele a certeza assustadora de quem já amou tudo o que tinha para amar, por isso tem um ar tão sereno. Já conheceu o sofrimento e a alegria que o amor possui e já sabe o que quer: não deseja amar mais.

Invejo-lhe essa capacidade e esse discernimento. Perco sempre algum tempo a perceber a forma de estar deste António que criei no meu imaginário e a querer entender este desprendimento…